São Paulo — Em edição especial do programa Em Diálogo, da Rádio Amar e Servir, o bispo emérito de Araçuaí, Dom Esmeraldo Barreto de Farias, e o agostiniano Frei Felipe, doutorando em Teologia, defenderam que a missão “é da ordem do ser” e deve atravessar toda a vida da Igreja como paradigma, não como agenda pontual. Conduzida por Júnior Santos, a conversa percorreu a gênese do Programa Missionário Nacional (PMN), sua atualização, os desafios para a recepção e a necessidade de uma formação presbiteral orientada pela missão.
“A missão paradigmática se torna a chave… é como o eixo [que faz girar todo o resto].” — Dom Esmeraldo
“A essência da Igreja é missionária. Ou ela é missionária ou não é.” — Frei Felipe
PMN: de escuta nacional à referência atualizada
Segundo Dom Esmeraldo, o PMN surgiu da constatação, em 2017 (Congresso Missionário Nacional, Recife), de que havia “muitas metodologias” e faltava um referencial comum que nascesse dos regionais. Em 2018, a equipe do Conselho Missionário Nacional percorreu os regionais da CNBB; em março de 2019, o texto foi elaborado e, em maio de 2019, estudado na Assembleia da CNBB. “Diante dos últimos acontecimentos, vimos a necessidade de atualizar o Programa”, afirmou, exibindo a versão atualizada e pedindo que seja conhecida e estudada em todo o país.
“As metodologias são importantes; precisamos de algo maior do que uma metodologia.” — Dom Esmeraldo
Paradigma x programação: risco de reduzir missão a eventos
A entrevista recuperou a distinção lembrada por Francisco no encontro com o CELAM (2013): missão paradigmática(o que dá sentido e orienta tudo) e missão programática (o conjunto de atividades). Para Frei Felipe, a Evangelii gaudium “deixou claríssimo” que a missão é um paradigma permanente: “Não podemos reduzi-la a um mês temático ou a tarefas. Todos os batizados são discípulos missionários.”
Três desafios urgentes
Frei Felipe sintetizou três frentes críticas para a recepção do PMN e a conversão pastoral:
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Consciência batismal — “Nem todos os batizados estão convencidos de que o batismo os faz discípulos missionários.”
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Abraço institucional — Que planos e diretrizes assumam a missão como transversal à ação evangelizadora, e não como “uma dimensão a mais”.
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Formação presbiteral missionária — Currículos que desdobrem cada disciplina (Bíblia, Liturgia, Moral, Cristologia) em consciência e prática missionária desde a iniciação cristã até a formação permanente.
“Sem encanto por Jesus e pelo Evangelho, o candidato corre o risco de virar ‘funcionário do sagrado’ ou mero administrador — e isso a Igreja menos precisa”, disse.
Formação: da instrução à mistagogia (e o testemunho que evangeliza)
Dom Esmeraldo diferenciou instrução (cognitiva) e formação (integradora: espiritual, pastoral, intelectual, comunitária e afetivo-humana) e propôs uma pedagogia mistagógica. Ao narrar a história de Dona Dejanira, acamada, afirmou que a missão não cessa quando as atividades cessam: “Significa que ela deixou de ser missionária? Claro que não. Porque a missão é da ordem do nosso ser — é algo que vem do coração.”
De “conservação” a saída: Aparecida como virada
Recorrendo ao Documento de Aparecida, Dom Esmeraldo reforçou a passagem de uma “pastoral de conservação”para uma “pastoral decididamente missionária”: ir ao encontro, acompanhar antes e depois dos sacramentos e alcançar a maioria batizada que não participa com regularidade. “Precisamos dar um passo a mais na vida pastoral”, afirmou, pedindo formação para leigos, consagrados, seminaristas, diáconos e padres.
Quatro prioridades do PMN, em prática
Os convidados revisitarem as frentes que estruturam o PMN:
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Formação (mistagógica e missionária)
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Animação missionária (paradigma que atravessa toda ação)
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Missão ad gentes (saída real, geográfica e existencial)
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Compromisso profético-social (dignidade, justiça e ecologia integral)
“Sem esse trabalho formativo, fica difícil passar para uma pastoral decididamente missionária”, concluiu o bispo.